"Este artigo não seria escrito se não tivesse havido 1º de Dezembro. Ou seria escrito em Castelhano. Não seria escrito neste jornal, que não existiria. Não haveria Língua Portuguesa como a conhecemos hoje – teríamos sido sujeitos a longa aculturação espanhola, somando mais 370 anos de usurpação aos 60 de domínio dos Filipes.
Não haveria a querela do Acordo Ortográfico, porque não haveria o Português, nem o problema da regulação do uso universal da nossa língua. Estaríamos hoje com os galegos, esbracejando pela cidadania linguística. Não haveria Rui Reininho e a sua 'Pronúncia do Norte', nem Pedro Abrunhosa e o seu 'Momento' ou Jorge Palma e 'Encosta-te a Mim', o 'Ó Gente da Minha Terra' de Mariza, o 'Fado Tropical' de Chico Buarque. Fernando Pessoa não seria o que é, nem a Mensagem. Camões e 'Os Lusíadas' seriam talvez desconhecidos, literatura esquecida ou clandestina. Veríamos filmes dobrados – em Castelhano. O Fado não seria Património Imaterial da Humanidade. Não existiria sequer o fado, antes outra coisa qualquer de sonoridade espanhola.
Já não teríamos declarado o sobreiro árvore nacional. Não seríamos o maior produtor mundial de cortiça – seria Espanha. O nosso porco preto alentejano seria porco ibérico para toda a vida, sem apelo nem agravo. Teríamos centrais nucleares na bacia do Tejo e talvez na do Douro, não só do lado de lá, mas do lado de cá. Não haveria lado de cá e de lá. A política espanhola de transvases afectando os nossos rios estaria aí em pleno.
Não haveria D. João IV, nem D. João V e o seu Convento de Mafra, nem D. João VI e a originalidade fundadora da corte no Brasil. Não haveria o próprio Brasil – em lugar dessa criação do génio e do acaso português, teriam surgido outras coisas, fruto de colonizações retalhadas de holandeses, franceses, espanhóis e ex-portugueses falando espanhol. Não haveria o samba e a bossa nova. Não haveria Angola, nem Moçambique. O espaço de Moçambique estaria repartido por países anglófonos e no de Angola seria outro retalho qualquer de colonizações holandesa, alemã, francófona, talvez espanhola. São Tomé e Príncipe estaria na Guiné Equatorial, como Fernando Pó e Ano Bom. A Guiné-Bissau moraria na francofonia, Cabo Verde provavelmente também. Não haveria a morna, nem a coladeira, talvez o zouk de Guadalupe e Martinica. Timor seria holandês e, portanto, indonésio. Macau teria acabado, pouco depois de ser. Não teria havido a guerra do Ultramar, porque não teria havido Ultramar. Não existiria a CPLP. Nem haveria sequer o Fórum Ibero-Americano, antes qualquer coisa hispano-americana. Não haveria o navio-escola 'Sagres'. O nosso mar português não seria.
Não teríamos o Eusébio. Não teríamos festejado o louco terceiro lugar do Mundial de Inglaterra 1966, mas alguns teriam celebrado a Espanha campeã do Mundo na África do Sul 2010. O Benfica e o FC Porto provavelmente nunca teriam sido campeões europeus. A Académica nunca teria ganho a Taça de Portugal – não haveria Taça de Portugal. Com sorte, Benfica, Porto, Sporting, outro, poderiam ter ganho a Copa Generalíssimo ou a Taça do Rei.
Não haveria Cardeal Patriarca de Lisboa, título do século XVIII. Não haveria um só cardeal português no Consistório de Roma. Não existiria a Conferência Episcopal – os nossos bispos estariam na conferência espanhola.
Aqui chegados, eu compreendo perfeitamente que as Cortes de Madrid chumbassem o nosso feriado do 1º de Dezembro, primeiro o Congresso dos Deputados, logo a seguir o Senado. Mas a Assembleia da República fazer isso? Não pode ser."

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