Texto de Pedro Passos Coelho aos portugueses:
Amigos,
Este não foi o Natal que merecíamos. Muitas famílias não tiveram na Consoada os pratos que se habituaram. Muitos não conseguiram ter a família toda à mesma mesa. E muitos não puderam dar aos filhos um simples presente.
Já aqui estivemos antes. Já nos sentámos em mesas em que a comida esticava para chegar a todos, já demos aos nossos filhos presentes menores porque não tínhamos como dar outros. Mas a verdade é que para muitos, este foi apenas mais um dia num ano cheio de sacrifícios, e penso muitas vezes neles e no que estão a sofrer.
A eles, e a todos vós, no fim deste ano tão difícil em que tanto já nos foi pedido, peço apenas que procurem a força para, quando olharem os vossos filhos e netos, o façam não com pesar mas com o orgulho de quem sabe que os sacrifícios que fazemos hoje, as difíceis decisões que estamos a tomar, fazemo-lo para que os nossos filhos tenham no futuro um Natal melhor.
A Laura e eu desejamos a todos umas Festas Felizes.
Um abraço,
Pedro.
Mensagem de retribuição:
"Caro Pedro,
Antes de mais os meus sinceros agradecimentos pela
amabilidade que tiveste em prescindir dos poucos momentos em que não tens que
carregar o país às costas, para pensar um pouco em nós e nos nossos
natais.
Retrataste com a clarividência de poucos a forma penosa como
atravessamos esta quadra que deveria ser de alegria, amor e união. És de facto
um ser iluminado e somos sem dúvida privilegiados em ter ao leme da nossa nau um
ser humano de tão refinada cepa.
Gostava também de ser interlocutor de alguém
que queria aproveitar o espírito de boa vontade que a quadra proporciona para te
pedir sinceras desculpas…a minha mãe.
A minha mãe é uma senhora de 70 anos,
que usufruindo de uma escandalosa pensão de mil e poucos euros, se sente
responsável pelo miserável natal de todos os seus concidadãos. Ela não consegue
compreender onde falhou, mas está convicta de que o fez…doutra forma não terias
afirmado o que afirmaste. Tentarei resumir o seu percurso de vida para que nos
ajudes a identificar a mácula.
A minha mãe nasceu em Alcácer do Sal começou a
trabalhar com 12 ou 13 anos…já não se recorda muito bem. Apanhava ganchos de
cabelo num salão de cabeleireiro, e simultaneamente aprendia umas coisas deste
ofício. Casou jovem e mudou-se para a cidade em busca de melhor vida. Sem opções
de emprego a minha mãe nunca se acomodou e fazia alguns trabalhos de
cabeleireira ao domicilio…nunca se queixou…foi mãe jovem e sempre achou que por
esse facto era a mulher mais afortunada do mundo. Arranjou depois emprego num
refeitório de uma grande fábrica. Nunca teve qualquer tipo de formação mas a
cozinha era a sua grande paixão.
Depois de alguns anos no refeitório
aventurou-se no seu grande sonho…ter um negócio próprio de restauração. Quis o
destino que o sonho se concretizasse no ano de 1974…lembras-te 1974? O ano em
que te tornaste livre? Tinhas o quê? 10 anos?
Pois é…o sonho da minha mãe tem
a idade da democracia.
O sonho nasceu pequeno, com pouco mais de 3 ou 4
colaboradoras. Com muita dificuldade, muito trabalho e muitas noites sem dormir
foi crescendo e chegou a dar trabalho a mais de 20 pessoas. A minha mãe tem a 4ª
classe.
Tu já criaste empregos Pedro? Quer dizer…criar mesmo…investir e
arriscar o que é teu…telefonemas para o Relvas a pedir qualquer coisa para uma
amiga da Laura não conta como criar emprego. A minha mãe criou…por isso ela não
compreende muito bem onde errou. Tudo junto tem mais de 40 anos de descontos
para a segurança social. Sempre descontou aquilo que a lei lhe exigia. A lei que
tu e outros como tu…gente de tão abnegada dedicação, se entretém a escrever,
reescrever, anular, modificar…enfim…trabalhos de outra grandeza que ela não
compreende mas valoriza.
Pois como te digo, a minha mãe viu passar o verão
quente, os tempos do desenvolvimento sem paralelo, o fechar de todas as fábricas
da região, os tempos do oásis, as várias intervenções do FMI, as Expos, os
Euros, do futebol e da finança…e passou por isto tudo sempre a trabalhar como se
não houvesse amanhã. A pagar impostos todos os meses e todos os anos. IVA, IRC,
IRS, IMI, pagamentos por conta, pagamentos especiais por conta, por ter um
toldo, por ter a viatura decorada, por ter cão, de selo, de circulação, de
radiodifusão…não falhando um único desconto para a sua reforma, não falhando um
único imposto. E viu chegar as condicionantes da idade avançada sem lançar um
queixume. E foi resolvendo todos os seus problemas de saúde que inexoravelmente
foram surgindo, recorrendo a um seguro privado, tentando deixar para aqueles que
realmente necessitam, o apoio da segurança social. Em mais de 40 anos de
contribuição não teve um dia de baixa, não usufruiu de um cêntimo em subsídios
de desemprego. E ela dá voltas e voltas à cabeça e não há forma de se recordar
onde possa ter falhado. Mas certamente falhou…
Por isso Pedro, quando eu lhe
li a tua carinhosa mensagem, que certamente escreveste na companhia da Laura e
com um cobertor a cobrir as vossas pernas para poupar no aquecimento, ela
comoveu-se, e cheia de remorsos pediu-me que por esta via te endereçasse um
sentido pedido de desculpas.
Pediu também para te dizer que se sente muito
orgulhosa de com a redução da sua pensão poder contribuir para que a tua missão
na terra seja coroada de sucesso.
És de facto único Pedro. A forma carinhosa
como te referes aos sacrifícios que os outros estão fazer, faz-me acreditar que
quase os sentes como teus. Sei que sofres por nós Pedro. Sei que cada emprego
que se perde é uma chaga que se abre no teu corpo…é um sofrimento atroz que te é
imposto…e tudo por culpa de quem? De gente como a minha pobre mãe que mesmo sem
querer tem levado toda uma vida a delapidar o património que é de todos. Por
isso se a conseguires ajudar a perceber onde errou ficar-te-ei eternamente
agradecido. A minha mãe ainda é daquele tipo de pessoas que não suporta a ideia
de estar a dever algo a alguém...ajuda-nos pois Pedro.
Aceita por favor, mais
uma vez, em nome da minha mãe, sentidas desculpas. Ela diz que apesar de
reformada e com menos saúde vai continuar a trabalhar para poder expiar o tanto
mal que causou.
Continua Pedro..estás certamente no bom caminho, embora
alguns milhões de ingratos não o consigam perceber.
Não te detenhas…os génios
raramente são reconhecidos em vida.
Um grande abraço para ti.
Um grande
beijo para a Laura."
Nuno Barradas